segunda, 07 de julho de 2025

A MÁQUINA DE MORAR – Qual o tamanho ideal de uma casa?

Publicado em 02 ago 2021 - 13:26:39

           

Uma situação muito costumeira, a qual assisti inúmeras vezes na vida profissional: um casal decide construir sua “casa de sonho”.

 

 

Gustavo Gomes

 

 

Após pouco mais de uma década de casamento, o casal, já estabilizado profissionalmente, com os filhos em fase escolar, ambos vivendo uma “meia idade” confortável, e toma-se a decisão de construir A Casa, aquela que será o refúgio da família até o fim de suas vidas e será a grande herança e legado para seus filhos e descendentes.

Lindo cenário, não é? A casa, então, há de ser perfeita, afinal, o casal já tem experiência de vida suficiente para saberem o que querem e, principalmente, saberem o que não querem de um projeto. A família não vai mais crescer, os filhos estão ali, pertinho e pra sempre, seus hábitos de vida, seus hobbies, suas formas de lazer, enfim, tudo está estabelecido.

Mas…. como já falamos, o casal já avança próximo dos 35 anos, os filhos com 12, 15 anos… as emoções falam mais alto na hora de decidir o projeto. E começa a definição do “programa”.

A palavra “programa”, em arquitetura refere-se à definição de ambientes necessários para que o edifício atenda a todas as atividades e desejos dos clientes. No caso de uma obra comercial, esse programa é bastante técnico e deve atender objetivamente as funções relativas ao trabalho no espaço.

Mas, no caso de uma residência, entram muitos aspectos subjetivos. Há influência dos hobbies, das relações sociais de cada um dos moradores, há aspectos de segurança, há sonhos, medos, conflitos, traumas, vergonhas, dilemas, até ideologias. Sem contar as diferenças de conceitos entre os moradores.

Há uma pergunta que sempre dá briga: “qual é o ambiente mais importante da casa?” (já ouvi, em uma mesma família as seguintes respostas: cozinha, quarto, sala de tv e garagem; quatro “ambientes mais importantes”; isto é uma família!)

 

Residência Manoel Lucio de Carvalho, Ourinhos-SP

 

Onde quero chegar: infelizmente, essa “casa eterna” tem grandes chances de se tornar um problema em muito pouco tempo. Por uma questão simples, a priori, a casa tende a se tornar um “elefante branco”.

Em menos de 10 anos, a casa estará maior do que o necessário. A casa “ideal” teve um quarto para cada filho, mais um escritório, uma sala de estudos, uma sala de tv e, provavelmente, um quarto de hóspedes (‘sempre recebemos amigos e parentes!’). Mas os filhos não estarão lá para sempre, os hábitos não são para sempre… e a casa dá um trabalho absurdo.

Mudando de foco, indo para um dos meus dilemas, como responsável pela Gerência de Habitação da Prefeitura, por 12 anos, qual é a dimensão da casa ideal em um Conjunto Habitacional?

Conjunto Habitacional é o nome técnico para os grandes bairros projetados pelos governos para atender de forma rápida e barata a eterna falta de moradia para as pessoas mais carentes. Geralmente, essas casas têm dois quartos.

Estatisticamente, as famílias brasileiras conseguem “começar” a vida com uma casa de uma sala, uma cozinha, um banheiro e dois quartos. A casa tem que ter um projeto que possa ter um terceiro dormitório, com uma ampliação simples, sem virar um Frankstein.

Mas estatísticas são frias e trabalham com médias. Qual o tamanho de uma família?

A família brasileira começa, geralmente, com duas pessoas, na maioria das vezes, um casal. Não poucas vezes, essa família já traz um filho. Às vezes dois, nem sempre filhos dos dois membros do casal.

Algumas vezes, existem agregados: irmãos, pais, avós, tios. Posso passar dias aqui descrevendo as possibilidades de uma família.

O que se sabe é que aquela família “padrão”, de propaganda de margarina, com papai, mamãe, filhinho e filhinha, hoje, é minoria absoluta. E além de ter incontáveis configurações, a família atual nunca foi tão elástica: casais têm filhos, casais deixam de ser casais, filhos vão embora, agregados aparecem, padrastos e madrastas entram e saem de cena… uma casa “perfeita” tem que ser capaz de abrigar uma pessoa sem parecer um palacete abandonado e abrigar sete ou oito sem parecer um cortiço pestilento.

 

Gustavo Gomes é Arquiteto e Urbanista. (14) 99762-8432 – gfmgomes@bol.com.br

 

Você tem razão: esta casa não existe! Mas esta coluna toda tem só um objetivo: mostrar o quanto é difícil o trabalho do arquiteto em transformar todos os desejos subjetivos de um cliente (tanto os verbalizados quanto os inconscientes), em algo tão racional quanto uma construção de tijolos e concreto.

São muitos desafios, e talvez o maior deles seja conseguir entregar pro cliente um “produto” que atenda suas necessidades ao longo de toda esta trajetória chamada vida. Uma casa só pode ser chamada de “ideal” depois de passar pelo crivo do tempo.

 

 

 

 

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