segunda, 01 de setembro de 2025

REPORTAGEM ESPECIAL: O MAPA DO FEMINICÍDIO NO BRASIL

Publicado em 13 abr 2024 - 08:47:39

           

Dados alarmantes da violência de gênero apontam que ainda há muito a se fazer

Por Fernando Lima

     Todo mundo provavelmente já deve ter ouvido o termo “Feminicídio”, que veio para designar um tipo de crime que de certa forma, deriva do homicídio.  A palavra entrou em uso nos anos 2000, através de Marcela Lagarde, que era deputada federal do México, e criou uma comissão para investigar uma série de mortes de mulheres que aconteceram na cidade de Juaréz, no México.

     A palavra vem se opor ao termo homicídio, que designa qualquer morte causada de forma dolosa, ou seja, com intenção de matar e, em seu caso, designa o homicídio de mulheres, mas não apenas pelo fato de serem mulheres, mas sim, por serem colocadas em posição inferior, de subalternidade; crimes estes, em geral, cometidos por homens e, principalmente pelos próprios companheiros.

     Em 2023 foram registrados no Brasil 1.463 casos de mulheres que foram vítimas de feminicídio, cerca de 1 caso a cada 6 horas, sendo este o maior número registrado desde 2015, quando a lei contra feminicídio foi criada. Este número também é 1,6% maior que o ano anterior (2022), segundo aponta um relatório Publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A pesquisa mostra que 18 estados brasileiros apresentaram uma taxa maior de feminicídio acima da média nacional, de 1,4 mortes para cada 100 mil mulheres.

    Segundo o relatório, lidera o ranking de feminicídios no Brasil em 2023 o estado do Mato Grosso, com 2.5 mulheres mortas por 100 mil mulheres.

     Em segundo lugar Acre, Rondônia e Tocantins, com 2,4 mortes por 100 mil. Em terceiro vem o Distrito Federal com 2,3 por 100 mil. As menores taxas foram registradas no Ceará (0,9 por 100 mil) e São Paulo (1,0 por cem mil).

     No entanto, ainda segundo o relatório, tudo leva a crer que podem existir muitos casos subnotificados, ou seja, que não são enquadrados como feminicídio de fato. No estado do Ceará por exemplo, no ano anterior (2022) foram registrados 264 assassinatos de mulheres, no entanto, apenas 28 foram classificados como feminicídio.

     Além dos dados de 2023, o documento traz importantes dados de 2022, que servem para balizar políticas públicas voltadas para o combate deste tipo de crime.

Feminicídios em 2022

Idade:

  • 71,9% das vítimas de feminicídio tinham entre 18 e 44 anos
  • 16,1% delas tinham entre 18 e 24 anos;
  • 14,6%, entre 25 e 29 anos;
  • 13,2%, entre 30 e 34 anos;
  • 14,5%, entre 35 e 39 anos;
  • 13,5%, entre 40 e 44 anos.

 

Raça:

Em relação ao perfil étnico racial, há uma prevalência de mulheres pretas e pardas entre as vítimas: 61,1%. Já 38,4% eram brancas; 0,3%, amarelas; e 0,3%, indígenas.

Autores da violência:

  • 73% dos crimes foram cometido por um parceiro ou ex-parceiro íntimo da vítima;
  • 10,7% das vítimas foram assassinadas por familiares;
  • 8,3% dos autores são desconhecidos;
  • 8% dos casos foram perpetrados por outros conhecidos.

     A Lei Maria da Penha, criada em 2006 no Brasil, foi um marco no combate à violência contra a mulher no ambiente doméstico, mas a Lei do Feminicídio, de 2015 trouxe a tipificação do crime. Esta última foi resultado de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que analisou a Lei Maria da Penha e sua não aplicação na integralidade, o que levou a comissão a tipificar estre crime, já que muitas mulheres morrem dentro das próprias casas pelas mãos de seus parceiros.

Relembre casos de feminicídio em nossa cidade e região

Caso Josiane Calistro

     Em Agosto de 2017, em Ourinhos, a universitária Josiane Calistro de 37 anos, voltava de um bar de carro com um amigo quando o ex-companheiro Wellington Aparecido da Silva, policial reformado e estudante de Direito começou a segui-la no trajeto. O homem então emparelhou o veículo com o carro de Josiane e intimou a vítima a abaixar o vidro.

     Em meio a uma discussão, o ex-companheiro efetuou três tiros conta Josiane e um deles atingiu a cabeça. Mesmo baleada, ela dirigiu por alguns metros, mas perdeu o controle da direção e bateu num poste. O passageiro que estava no carro com ela não teve ferimentos.

    A mulher chegou a ser internada na Santa Casa, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. A família dela informou que o casal ficou junto por quatro anos e o ex-policial não teria aceitado o fim do relacionamento. Josiane já havia denunciado o então companheiro por ameaça por diversas vezes.

    Wellington ficou foragido na época, mas se entregou alguns dias depois e foi preso. Seu julgamento aconteceu em outubro de 2018, durou cerca de 10 horas e ele foi condenado a 30 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado: motivo fútil, feminicídio e quando não há possibilidade de defesa da vítima.

Caso Priscila Moreira

    Em agosto de 2021, Priscila Moreira, de 35 anos, foi assassinada pelo marido Williams Pereira, 42 anos, num condomínio no bairro Oriental em Ourinhos.

   O casal havia se mudado há pouco tempo para a cidade, Priscila era gerente de uma rede de lojas de departamentos, seu marido estava desempregado, o casal tinha uma filha de 12 anos.

     Segundo as investigações, o casal se desentendeu numa briga e o homem começou a ficar violento. Eles passavam por problemas conjugais e estariam em vias de separação, fato que não teria sido bem aceito pelo marido.

    Após o crime, ele mesmo acionou a polícia e admitiu o crime, primeiramente disse que ele a teria empurrado, ela caído e batido a cabeça, depois mudou sua versão, dizendo que usou um travesseiro para sufocá-la e que também estrangulou mulher. A filha do casal brincava na área de lazer do condomínio e Conselho Tutelar foi acionado para acolhê-la, a menina ficou inicialmente sob os cuidados do padrinho.

     O julgamento de Williams aconteceu em fevereiro de 2022 e ele foi condenado há 16 anos de prisão pelo crime de homicídio doloso, qualificado por motivo fútil (ciúmes), meio cruel (asfixia) e feminicídio. Um ano depois, em fevereiro de 2023, a promotoria entrou com recurso para ampliação da pena, que aguarda julgamento em segunda instância.

Caso Adriana Gonzaga

     Em um caso muito recente, no final de março deste ano, em Marília, Adriana Gonzaga, de 49 anos, foi morta a facadas pelo companheiro, Francisco Alexandre da Silva, de 55 anos, em uma discussão no apartamento da vítima. O homem fugiu do local, mas foi capturado próximo à fronteiro do Brasil com o Paraguai, para onde tentava fugir. Adriana trabalha na área de beleza.

     Segundo os vizinhos, eles ouviram gritos e pedidos de socorro e foram até o apartamento. Chegando ao local viram o suspeito em pé na porta de entrada, ele teria pedido socorro para a mulher e sentado na escada, colocando a faca do crime ao seu lado, que foi recolhida por um homem e apresentada à polícia. Assim que a PM foi chamada, o homem fugiu do local no carro da vítima, um Hyundai ix35, no entanto, esqueceu no local seu aparelho celular e sua carteira com documentos pessoais, que foram apreendidos pela polícia.

    Francisco foi preso em flagrante, ainda na madrugada de domingo, pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), tentando deixar o Brasil. Ele foi localizado na BR-272, em Francisco Alves (PR), cerca de 600 km do local do crime e, segundo a PRF, o suspeito tentava seguir rumo ao Paraguai.

     Em depoimento dado para a Polícia Civil do Paraná, o autor do crime, que é tapeceiro, contou que morava com a vítima há quase um ano, sendo que cerca de três meses antes do crime, começaram a reformar o salão de beleza de Adriana. Ela teria comprado umas cadeiras para a reforma, e ele estava fazendo o serviço. Francisco informou à polícia que o casal já vinha se desentendendo e que a reforma do salão teria agravado a situação, já que ela o pressionava para terminar o serviço dos estofados. O autor está preso e aguarda julgamento.

     O que há em comum entre esses casos? Além da morte por motivos fúteis e a crueldade dos crimes, ambos vêm do ambiente doméstico, onde a figura masculina ainda carrega imagem de superioridade por questões sócio-históricas-culturais e as mulheres ainda são postas em posição de inferioridade e posse. E a violência doméstica, é o principal fator que desencadeia no feminicídio.

     Três a cada dez brasileiras já foram vítimas de violência doméstica, de acordo com a 10a Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, feita pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV). Os dados foram divulgados pela Procuradoria da Mulher do Senado nesta terça-feira (21). Denominada anteriormente “Pesquisa violência doméstica e familiar contra a mulher”, a aferição é realizada a cada dois anos, com mulheres de todo o Brasil. Trata-se da série histórica mais antiga sobre a temática do país, tendo sido criada em 2005 para dar subsídio ao Parlamento para a elaboração da Lei Maria da Penha. Desde então, foram entrevistadas mais de 34 mil mulheres, em 10 anos da pesquisa.

    Mais de 21 mil mulheres responderam à pesquisa de 2023, o que tornou o estudo o maior sobre violência doméstica já realizada no Brasil, apenas com mulheres. Para a procuradora da Mulher no Senado, senadora Zenaide Maia (PSD-RN), a divulgação do estudo é um marco que ajuda a esclarecer avanços obtidos pelo país nessa temática e podem orientar medidas a serem tomadas para o enfrentamento à violência contra as mulheres.

     O levantamento aponta que três a cada dez brasileiras já sofreram violência doméstica provocada por homens. E quanto menor a renda, maior a chance de a mulher sofrer violência doméstica, diz o estudo. Mais de 25,4 milhões de brasileiras já sofreram violência doméstica provocada por homem em algum momento da vida, segundo o DataSenado. Desse total, 22% declararam que algum desses episódios de violência ocorreu nos últimos 12 meses.

     A pesquisa apontou que a violência psicológica é a mais recorrente (89%), seguida pela moral (77%), pela física (76%), pela patrimonial (34%) e pela sexual (25%). As mulheres com menor renda são as que mais sofrem violência física, diz o estudo. Cerca de metade das agredidas (52%) sofreram violência praticada pelo marido ou companheiro, e 15%, pelo ex-marido, ex-namorado ou ex-companheiro. De acordo com o documento, a maior parte das vítimas tem conseguido terminar casamentos abusivos. Também é majoritária a parcela de vítimas que estão saindo de namoros violentos.

     Do total de mulheres que revelaram ter sofrido violência, 48% disseram que houve descumprimento de medidas protetivas de urgência. A pesquisa aponta que cada vez mais mulheres procuram ajuda, mas alerta para o fato de que a falta de delegacias da mulher em muitas cidades dificulta o acesso ao serviço. Em cidades com menos de 50 mil habitantes, conforme o levantamento, é maior o percentual de mulheres que declaram ter denunciado em delegacias comuns.

Jovens

     Outro dado da pesquisa aponta que a maior parte das vítimas vivencia a primeira agressão ainda muito jovem: entre 19 a 24 anos, como relataram 22% das entrevistadas. Também é alto o número de ocorrências de insultos e ameaças registrados nos últimos 12 meses. Das mulheres ouvidas pelo DataSenado, 17% afirmaram ter sofrido denunciação caluniosa nesse período. Entre as mulheres que não afirmam terem sofrido violência no último ano, 29% disseram ‘sim’ a pelo menos uma das questões listadas no levantamento.

     A denúncia é sempre o melhor caminho, segundo a Advogada Thais Araújo, que é colunista do Negocião. “Buscar ajuda é um ato de coragem, não de fraqueza. Se você é vítima de violência doméstica ou conhece alguém que está sofrendo, é importante saber como denunciar, se proteger e finalmente quebrar o ciclo. O Ligue 180 é um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento da violência contra a mulher”.

     Ainda segundo a advogada, no Ligue 180, é possível se informar, até mesmo preventivamente, sobre os direitos da mulher, a legislação vigente sobre o tema e a rede de atendimento e acolhimento de mulheres em situação de vulnerabilidade.

Fontes: Agência Senado e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Imagens: Divulgação, Instagram e Prefeitura Municipal de Curitiba.

© 1990 - 2023 Jornal Negocião - Seu melhor conteúdo. Todos os direitos reservados.