terça, 17 de setembro de 2024
Publicado em 26 maio 2017 - 06:15:27
Titi Daquidali
Por certo você alguma vez já leu um texto ou trecho de uma história que mexeu com suas emoções certo?! Ou tenha se deparado com alguma história em um livro que tenha alguma semelhança com sua história de vida, e isso fez com que você refletisse sobre determinado momento, seja presente ou passado. Trata-se de um refrigério para a alma, como disse no passado o pensador iluminista Voltaire “A leitura engrandece a alma”.
Entretanto há uma atividade, pouco conhecida em nosso país, de grande auxílio no tratamento terapêutico da saúde mental, usando a leitura para este fim. Por meio da interação entre o leitor e o texto, esta atividade pode contribuir para aliviar o estresse, ajudar a lidar com sentimentos de raiva, frustração, solidão, tristeza, medo, diminuir a sensação de isolamento entre as pessoas, aumentar a autoestima, auxiliar na adaptação hospitalar e na humanização de espaços, diminuir a intensidade da dor pessoal.
Com uma lista imensa de benefícios, a bilbioterapia exige o acompanhamento terapêutico, não impondo que o profissional seja um psicólogo ou terapeuta. O profissional, para atuar, deve ser por excelência um mediador de leitura, no qual reúna competências e ferramentas para selecionar materiais adequado de acordo com o público que irá atender. Os mais indicados são os que possuem uma postura humanizada, como assistente social, enfermeiros, psicopedagogos e pedagogos.
Por outro lado, é possível fazer uso da leitura como ferramenta de reflexão e até curativa com o profissional contador de histórias, que também é um mediador de leitura, desde que esse tenha sua sensibilidade aguçada. Afinal, histórias fazem parte da necessidade da comunicação humana, e por meio delas compartilhamos experiências, sentimentos e emoções. Com a literatura, podemos transitar por um universo mágico, descobrindo novos mundos, assim como enfrentar e vencer dificuldades existenciais do nosso cotidiano, pois oferecem a possibilidade de consciência de si, do outro e do mundo.
Outro dia compartilhei uma história num lugar onde as pessoas se encontram num processo de ressocialização e pude vivenciar uma experiência maravilhosa. Foi um processo de aprendizado múltiplo e glorioso.
Escolhi o conto “A Menina e o pássaro encantado”, de Rubem Alves, que conta a história de uma menina que amava um pássaro encantado que sempre a visitava e lhe contava estórias, o que a fazia imensamente feliz. Mas chegava um momento que o pássaro dizia: ‘Tenho que ir’. Assim, a menina chorava porque amava o pássaro e não queria que ele partisse. ‘Menina’, dizia-lhe o pássaro, ‘aprenda o que vou lhe ensinar: só sou encantado por causa da ausência. É na ausência que a saudade vive. A saudade é um perfume que torna encantados todos os que o sentem. Quem tem saudades está amando. Tenho que partir para que a saudade exista e para que continue a amá-la e você continue a me amar…’ Dessa maneira partia sempre.
Sofrendo a dor da saudade, a menina maquinou um plano: quando o pássaro voltou e lhe contou estórias e foi dormir, ela o prendeu em uma gaiola de prata, dizendo: ‘Agora ele será meu para sempre’. Mas não foi isso que aconteceu. O pássaro, sem poder voar, perdeu as cores, perdeu o brilho, perdeu a alegria, não tinha mais estórias para contar. E o amor acabou. Levou um tempo para que a menina percebesse que ela não amava aquele pássaro engaiolado. O pássaro que ela amava era o pássaro que voava livre e voltava quando queria e ela soltou o pássaro que voou para longe”.
Enquanto contava fui observando cada uma das pessoas que estavam me ouvindo. Cada reação, cada sentimento se aflorando em seus rostos. Logo vi lágrimas brotando dos olhos, saudades sufocadas e até pensamentos quase estampados para fora.
Confesso, que eu também peguei a minha parte. Já tinha contado essa história, mas agora, em outro ambiente, com outras pessoas, tudo era diferente.
Quando terminei e abri para reflexão, percebi o quão tinham se identificado, se emocionado com aquele conto. Deixei que se expressassem, e tudo foi muito válido e rico. Depois, para fazer um fechamento disse que há pessoas que iriam se identificar com o pássaro: aquelas, que por determinadas situações da vida podem se sentir presas. E a prisão nem sempre precisa ser um espaço físico. Muitos podem estar presos psicologicamente, dentro de si, numa depressão, por exemplo, tentando se libertar. E foi aqui que tirei meu grande aprendizado naquele dia. Eu já tinha vivido aquela situação. E pude perceber que só contamos com maestria aquilo que se tem vivência, experiência. A experiência é fruto das nossas relações com os outros.
Há os que irão se identificar com a menina, que representa o lado egoísta do homem. Percebam que a menina queria a felicidade só para ela. Não se importou se o pássaro iria ficar bem ou não.
Ao final da apresentação, todos tinham aprendido com a relação experiência própria e a história contada. Contar histórias de forma terapêutica é isso: mostrar como devem olhar a vida sob outros aspectos, sem dizer diretamente. O encantamento se dá justamente no desdizer, deixar no ar as coisas, deixar para os olhos da imaginação traduzir.
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Titi histórias DaquiDali
Titi Daquidali é o nome artístico da professora de língua portuguesa e literatura Adriana Bordinhão Vicioli. Adriana ministrou aulas na ETEC de Ipaussu e atualmente trabalha na ETEC de Ourinhos. Adora contar histórias para todas as faixas etárias.
https://www.facebook.com/titi.historias.curativas.educativas/
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