terça, 17 de setembro de 2024
Publicado em 03 jul 2015 - 01:02:17
Neusa Fleury
Sabemos mais hoje sobre psicologia ou maneiras de se tratar uma criança ou adolescente, mas na prática parece que não está dando muito certo. Os adultos protegem demais em algumas circunstâncias, e praticamente abandonam em outras. É difícil ver uma criança ir e voltar da escola sozinha, sempre tem um adulto acompanhando, e nem sempre o trajeto é longo ou perigoso.
Lição de casa também costuma ser supervisionada. Nem brigar e resolver as pendengas ao seu modo elas podem, como se não fossem capazes. Sabem tudo sobre tecnologia, coisa que aprendem sozinhas, mas pouco sobre outros assuntos mais importantes – o que é mesmo que estamos ensinando?
Foi estarrecedor ver a forma como circulou na internet as fotos da preparação do corpo do cantor morto há alguns dias. Alguém postou as fotos, como se fosse mais um capítulo na história do cantor-celebridade, e milhares compartilharam. Não respeitaram o morto porque também não respeitam os vivos, é um vale tudo em que os sentimentos alheios não têm importância. Isto reflete a falência do modelo como os jovens estão sendo formados.
Enfrentar desafios ensina a ganhar e perder, e talvez o sucesso do aprendizado passe por isso. Se for tudo muito fácil, a gente acomoda e não se esforça.
As crianças de antigamente precisavam estudar para passar de ano. Se as notas fossem baixas, tinham que prestar contas em casa, e os pais não costumavam ser muito compreensivos quando se tratava de escola.
Que motivação tem uma criança que estuda em escola pública, sabendo que, se for bem ou mal nas provas não vai repetir de ano? Piora ainda porque os pais deixam de cobrar resultados, já que valorizam mais o diploma que virá sem esforço do que o conhecimento. O resultado não preciso nem contar, vocês sabem sobre a tragédia que é a educação no país.
Até as leituras hoje são simplificadas. As crianças da minha geração foram iniciadas na literatura por Monteiro Lobato, e não era uma leitura fácil. No meio das aventuras de Narizinho e sua turma, o escritor falava de política e mitologia, com um vocabulário rico, sem facilitar só porque seria lido por crianças. E a gente entendia e se encantava.
As crianças também não eram poupadas com o tema dessas histórias. Os contos infantis tradicionais que conhecíamos contêm todos os dramas humanos: mortes, traições, paixões, abandonos, privações, amores e desamores, funcionando como um aprendizado das relações sociais.
Mesmo que a velocidade das transformações sociais tragam muitas dúvidas sobre a forma de educar, continua sendo obrigação dos adultos cobrar desempenho e responsabilidades das crianças e jovens – isso só vai ajudá-las. Ensinar sobre o respeito que se deve ter com outro ser humano é obrigação da família, e é saudável dar liberdade para que as crianças resolvam por si os problemas que podem solucionar.
Elas costumam compreender as coisas melhor do que a gente imagina. Conto um fato envolvendo duas menininhas: a Carolina, minha neta que tem quatro anos, e sua amiga Sofia – que brincavam sem saber que a mãe estava prestando atenção ao que diziam.
Na brincadeira, uma delas era a mãe e outra a filha. Acontece que na história inventada pelas duas, a mãe fica doente, e a coisa foi se encaminhando para a morte. A Carolina, no alto de seus quatro anos, e que fazia o papel da mãe, explicou: “É assim mesmo, filhinha. Você não sabe que quando a gente fica adulta as mães morrem?”.
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