sexta, 15 de novembro de 2024

Artigo: Amigos e velhice

Publicado em 20 jul 2015 - 07:28:05

           

Neusa Fleury de Moraes

Minha avó reclamava de tristeza na velhice. Ainda não existiam as expressões “terceira idade” ou “melhor idade” ou outro disfarce parecido para classificar as pessoas que já tinham vivido muito. Os velhinhos também não apareciam serelepes na TV em propaganda de planos de saúde. A velhice era mais precoce e menos colorida, e, dizia minha avó, era triste. 

Ela reclamava da solidão. A TV sempre ligada não substituía a ausência dos amigos que foram morrendo ou não conseguiam mais fazer visitas. As pessoas da família estavam na labuta pela sobrevivência ou não tinham muita paciência para conversar, e o sentimento de solidão foi se instalando.

Fiquei pensando nesse período da vida depois de saber de um caso de violência contra um idoso, história que aconteceu com uma pessoa conhecida. O abandono é uma forma de violência, e dói tanto quanto um tapa. Sei de velhinhos que só são respeitados enquanto conseguem cuidar das crianças ou entregam o dinheiro da aposentadoria para as despesas da casa, ou seja, não são valorizados pelo que representam para a família, mas pelo dinheiro que possuem. Em tempos em que as mulheres não trabalhavam fora de casa, eras delas também a função de cuidar dos velhos da família, e eles conviviam com netos e bisnetos, o que devia amenizar as dificuldades da idade. Agora tudo ficou mais complicado.

Essa desvalorização da pessoa idosa não está presente em todas as culturas. Em algumas a experiência adquirida garante um lugar de importância social ao idoso, que é acolhido e respeitado, mas ainda estamos longe disto. 

Para algumas mulheres, especialmente as que foram muito bonitas na juventude, envelhecer é um peso quase insuportável. Isso de valorizar demais a aparência pode render amarguras, e não há nada que conserte, já que a cirurgia plástica teria de ser interna. 

Mas se existem casos de abandono e violência, felizmente conheço histórias de cuidados e atenção com o idoso em muitas famílias.

Tenho um amigo querido que vai fazer 97 anos e conserva boa saúde e vontade de viver. Seus olhos não se cansaram de admirar a natureza, de perceber a beleza da plantação de soja do seu sítio ou as folhas da sibipiruna que se renovam assim que começa a primavera.

Comemora pequenas viagens, a chegada dos binetos, e conserva o hábito das caminhadas, conversando com quem encontra. A esta altura da vida, não tem tempo a perder, e sabe exatamente o que quer e o que o faz feliz. Meu amigo lê muito, escreve e gosta de uma boa prosa.

Não sente falta nenhuma de computador ou internet, para ele a vida só existe em sua forma real. Mas como a minha avó, ele também reclama da falta dos amigos que “furaram a fila”, indo embora deste mundo. Compensa com uma vida familiar mais próxima, mas insiste que ter alguém com interesses comuns para conversar é muito importante e faz falta em qualquer idade. 

Vou aprendendo com ele, percebendo que na velhice como em outras fases da vida, não depender de pessoas ou situações externas favoráveis para viver bem é sabedoria. 

É bom a gente ir treinando a ficar bem consigo mesmo, aproveitando melhor o tempo e o privilégio de estar vivo.

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