quinta, 24 de outubro de 2024

ARTIGO: Sobre Guardinhas e Guardiões

Publicado em 31 jan 2018 - 12:12:14

           

Gustavo Gomes

Imagem um: em dezembro, estacionei meu carro numa vaga de zona azul, paguei R$ 1,50 para a guardinha. Quando voltei ao automóvel, não encontrei o cartão no parabrisa.

Imagem dois: minha sogra não tem smartphone.

Desde que vim morar em Ourinhos, há vinte anos, um dos orgulhos que tenho da cidade é a instituição AMO-SIM, conhecida como Guarda Mirim. É uma associação com 47 anos e que deu oportunidades a milhares de jovens ourinhenses ao longo destas cinco décadas.

Grandes amigos e profissionais passaram pelas fileiras da Guarda Mirim. Muitos atingiram postos e posições inimagináveis se não fossem “treinados para a vida” na instituição.

Como fator de sustento, já há décadas, a prefeitura e a Associação firmaram um convênio para que a Zona Azul de Ourinhos fosse administrada pela Guarda Mirim. Tem sido uma parceria de sucesso e deu segurança financeira à Associação, aumentando a capacidade de trabalho e a ampliação de vagas de trabalho para os jovens carentes da cidade.

Porém, certamente, é uma polêmica. Há dois aspectos negativos atualmente, no convênio.

Por um lado, é fato que não se trata de um trabalho de alta capacitação para os jovens. Ficar “tomando conta” de automóveis no centro da cidade não acrescenta muito no currículo educacional dos adolescentes.

Por outro lado, já é fato que a tecnologia atual pode ser aplicada com muito mais eficiência no controle de estacionamento, do que o uso de cartões de papel preenchidos à mão.

A Prefeitura, defendendo a modernização do trânsito, enviou à Câmara um projeto de lei, aprovado e sancionado, que permite a concessão a empresa particular da exploração do sistema. Não há nada contra a modernização e, sem dúvida, já era hora de modernizar essa Zona Azul de Ourinhos.

Porém, a Lei Complementar 975 (citada) não tocou no delicado e importante assunto do emprego dos jovens “guardinhas”. Talvez não fosse assunto para o documento, afinal, misturar modernização do trânsito com a empregabilidade do jovem ourinhense não soa muito lógico.

Mas, em Ourinhos, os assuntos sempre conviveram bem e seria interessante que o Executivo apresentasse uma solução paralela para a discussão. Uma lei que determinasse a contratação pela Prefeitura, Câmara e SAE de “guardinhas” em quantidade equivalente aos empregados na Zona Azul, com cursos e condições respeitando as leis federais do trabalho infantil seria uma decisão que apagaria qualquer confusão por parte da oposição.

Ainda há tempo para isso, apesar de que o Prefeito pode fazer exatamente isso, sem a necessidade de uma lei. 

Quanto à concessão da exploração da Zona Azul, precisamos nos ater a alguns aspectos importantes. Fui diretor de trânsito de Diadema por quase três anos e sei o quanto as empresas de terceirização do trânsito são perigosas e ardilosas.

Teremos que ficar atentos ao edital de licitação. Por se tratar de um serviço técnico especializado, as Prefeituras raramente têm técnicos habilitados para escrever e essas empresas são muito “solícitas” ao “oferecer gratuitamente” modelos de editais “eficientes em grandes metrópoles”.

Esses editais, quase sempre, são na modalidade “técnica e preço”, em que são analisados aspectos técnicos e o preço final, com atribuição de pesos para os dois itens. O objetivo da modalidade é nobre, pois em muitas compras é mais importante a qualidade do que apenas o menor preço.

Porém, muitas vezes, o peso da técnica é muito superior ao do preço e, nos critérios da técnica estão embutidos itens que apenas a empresa solícita e boazinha pode oferecer, garantindo que esta ganhe a licitação, independente da proposta das demais concorrentes. Basta lermos o edital com atenção.

Outro item que exige atenção e causa controvérsia é o prazo permitido para concessão que está na lei. Se o mote da nova lei é a adequação às novas tecnologias, como fazer uma licitação mantendo o objeto sempre atual, durante 30 anos?

Qual será a melhor tecnologia para controle do estacionamento, daqui a 30 anos? Qual será a tecnologia de transportes urbanos daqui a 30 anos? Haverá carros? Haverá estacionamento?

Voltando às cenas no início do texto, afirmo que o cartão estava no para-brisas e a guardinha que me atendeu é honesta, como sempre. Mas poderia não ser, e não haveria nada para eu fazer contra isso.

Fato é que, hoje, menos da metade dos motoristas colocam cartão, inclusive desprezando e ofendendo os guardinhas, mas não há fiscalização do trânsito, nem por parte da Prefeitura ou por parte da Polícia Militar. 

Seja qual for o sistema, sem fiscalização, não haverá respeito. Com fiscalização, haverá respeito e arrecadação, ou multa e mais arrecadação. 

Quanto ao Smartphone da minha sogra, as grandes cidades hoje em dia usam aplicativos de telefone celular para pagamento do estacionamento. Mas muitas pessoas ainda não usam smartphones e visitantes de outras cidades não terão o aplicativo.

Isso pode afastar idosos, pessoas mais simples e turistas. Mas a cidade é para todos.

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