terça, 08 de outubro de 2024
Publicado em 06 fev 2018 - 11:45:13
Alexandre Mansinho
Na madrugada dos dias 27 e 28, sábado para domingo, uma casa de entretenimento ourinhense teve um evento interrompido por uma ação conjunta entre a Polícia Militar, Conselho Tutelar e fiscais da prefeitura. O que as autoridades viram naquele “baile funk” foi um retrato da facilidade que existe para se conseguir substâncias ilegais para uso recreativo
Havia maconha, cocaína, crack e também drogas sintéticas. Tudo isso com a presença ativa de menores de idade.
Para entender melhor como esses narcóticos chegam às ruas e festas no município, a reportagem do Jornal Negocião saiu nas madrugadas dos bairros periféricos da cidade e desvendou um verdadeiro submundo que anda pelas sombras enquanto os cidadãos dormem.
A maioria das pessoas que terão suas falas reproduzidas nessa reportagem não sabiam que estavam sendo gravadas ou pediram para que a sua identidade fosse mantida em sigilo.
PRAÇA DOS SKATISTAS – Havia um grupo de jovens reunidos sob uma estrutura construída pela prefeitura para sediar eventos. Esses jovens, aparentando ter entre 16 e 20 anos, conversavam e cantavam músicas de improviso.
Embora a Praça dos Skatistas seja um local aberto e central, os jovens consumiam maconha com uma tranquilidade que chamava a atenção. Abordado, um jovem que parecia ser o “salvador” (pessoa que distribui as drogas), disse, depois de desconfiar muito, que ele conseguia o “chá” (maconha) lá na Vila São Luiz: “Tem umas árvores perto da creche, lá você encontra os “macaquinhos” (traficantes que ficam em cima das árvores para se esconder do policiamento) que eles “te salvam” (gíria usada para indicar que a pessoa quer drogas).
TRAFICANTES MACACOS – Na Vila São Luiz, exatamente como o jovem da Praça dos Skatistas havia dito, a reportagem encontrou os tais “traficantes macacos”. A distância, de forma a não chamar a atenção, foi possível ver o “cliente” encostando no tronco da árvore, dizendo alguma coisa, e uma linha com o que parecia ser um prendedor de roupa descer, subir com o dinheiro, e descer com o papelote.
PROSTITUIÇÃO E O TRÁFICO – Na Av. Duque de Caxias e em suas travessas, ponto de prostituição bem conhecido, a reportagem abordou uma jovem transexual, que aparentava não ter mais que 16 anos, mas que jurava ter 19. Bárbara (nome fictício) conversou abertamente sobre como conseguir drogas na cidade de Ourinhos: “Tio, qualquer festa que você vai tem chá e pó, algumas até pedra (…) só tá escapando as festinhas de família (…) juntou uma molecada, já aparece”.
Questionada sobre como as pessoas conseguem, Bárbara respondeu que em todas as vilas há quem vende: “Você esteve lá na São Luiz? Além de lá, tem no Josefina, na Praça do Caló (escola) e às vezes até aqui com a gente (…) os meninos deixam aqui, porque é difícil a polícia dar geral em nóis”.
CASAS ABANDONADAS – Ainda segundo Bárbara, casas abandonadas servem como “biqueira” (local onde pessoas compram ou usam drogas) e os “meninos” (os “trabalhadores” do tráfico) ficam de olho na tática (Força Tática da Polícia Militar) e contam pelo radinho (celular) pros outros onde os caras estão. Sobre como ocorre essa comunicação, Bárbara afirmou que tudo acontece por grupos de Whatsapp: “tem até disque pó pelo celular”.
DISQUE PÓ – A reportagem verificou que o número de celular de fato existe e que há de fato grupos criados por aplicativo de celular que têm a função de facilitar a logística da ação criminosa.
“QUEM MANDA ESTÁ PRESO” – Na rua José Neves de Oliveira, local conhecido como “pracinha da SAE”, a reportagem encontrou um jovem, que chamaremos de Francisco, que aceitou falar sobre o tráfico de drogas na cidade. “Tudo quanto é pó, pedra e chá que vem pra cá é com ordem de cima (…) cada boca tem um gerente, eles “contrata” os menores que ficam nas árvores ou “de bobeira” conversando nas esquinas (…) quem quer o bagulho já sabe bem com quem falar”.
A respeito de quem é o líder, Francisco disse: “esse aí tá guardado em Bauru (…) mas, mesmo assim, nada acontece sem ele saber”. Francisco ainda falou que quem “abastece” Ourinhos é Londrina: “a droga vem de carro, eles já sabem os horários e até quantos “polícia” tem nas barreiras”.
“DEVEMOS COMBATER A RAIZ DO PROBLEMA” – A vereadora Raquel Spada disse que só se combate o tráfico atacando a raiz do problema, que é, na opinião dela, a desestruturação familiar: “Eu já faço palestras em comunidades e escolas com o objetivo de reforçar os laços familiares (…) é na sensação de abandono e carência que o jovem acaba dando chance para que um traficante faça o serviço”.
A vereadora citou o trabalho da Comunidade Terapêutica Missão Vida, que embora seja um grupo religioso, recebe apoio do poder público municipal e faz um trabalho digno de elogio: “Ourinhos precisa de uma casa de apoio a dependentes químicos bancada pelo poder público”, completa Raquel.
POLÍCIA MILITAR – O assessor de comunicação da Polícia Militar de Ourinhos, 31º Batalhão, Capitão Wagner Duarte Ferreira dos Reis, disse que o trabalho está sendo feito e que, quase diariamente, são feitas apreensões e traficantes são tirados das ruas: “A população é nossa maior arma, é com o trabalho de inteligência e com as denúncias dos cidadãos que vamos, aos poucos, efetuando as prisões”.
Ainda segundo Capitão Wagner, não podemos “sair prendendo as pessoas sem motivo”: “para que a polícia aja, é necessário uma causa provável (…) mas convém dizer que a estratégia de policiamento é feita e tem dado bons resultados”.
POLÍCIA CIVIL – Dr. Antônio José Fernandes Vieira, delegado da Delegacia Seccional de Ourinhos, também ressalta a importância das denúncias feitas pela população. E afirma que os índices de resolução de crimes é alto no município e que, embora se diga muito ao contrário, o crime organizado não consegue perseverar em Ourinhos: “O crime organizado não consegue perseverar em Ourinhos, isso tudo graças a população que faz denúncias e nos permite trabalhar”.
FUNDO SOCIAL DE SOLIDARIEDADE – Clara Pocay, presidente do Fundo Social de Solidariedade, disse ao Jornal Negocião que a melhor saída não é uma clínica de recuperação para combater o problema do vício, e sim o fortalecimento de aparelhos públicos de saúde e assistência social: “É necessário tratar o dependente dentro do seu contexto social, retirá-lo pode representar uma recaída mais a diante”. Clara ainda pontuou que a Prefeitura de Ourinhos tem se empenhado nas políticas assistenciais.
PRISÕES AUMENTAM E APREENSÕES CAEM – Segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública, o número de apreensões em Ourinhos caiu ligeiramente, enquanto o número de prisões cresceu. Uma análise desses números pode representar um fato positivo, o trabalho de investigação e repressão parece estar de fato surtindo efeito.
Em 2016 houve 655 prisões, compreendendo que a maioria delas feitas por crime de tráfico de drogas, já em 2017 foram 710 – crescimento de 8,2%. Assim com as prisões em flagrante, que foi de 527 em 2016 para 555 em 2017 – crescimento de 5,3%. As prisões em flagrante indicam uma melhor efetividade na investigação e no policiamento ostensivo.
Já as ocorrências de tráfico e porte de entorpecentes caíram, sendo um possível reflexo do aumento do combate a essa modalidade criminosa por parte das autoridades: em 2016 houve 288 ocorrências de tráfico, contra 271 em 2017 – queda de 5,2%. As ocorrências de porte de entorpecentes foram de 139 em 2016 para 108 em 2017 – queda de 22%.
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