Família alega que funcionária da UPA não entregou o remédio por serem de outra cidade
Fernando Lima
Uma denúncia foi protocolada no Ministério Público (MP) nesta quinta-feira (30), após uma família de Canitar (SP) ter medicação negada pela farmácia da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Ourinhos, depois passarem pela consulta na noite do dia 29, com o filho de 5 anos, que é portador de uma síndrome rara.
Segundo a família, a atendente da farmácia teria informado que só fornecia medicamentos para moradores da cidade de Ourinhos.
A farmácia da UPA foi inaugurada no dia 17 de janeiro e faz parte do programa municipal “Remédio na Hora”, para que os pacientes que utilizem o serviço no atendimento noturno, período em que as farmácias municipais estão fechadas (das 17h às 07h durante a semana e 24hs no fim de semana) possam retirar o medicamento na própria unidade.
O documento protocolado no MP, denuncia “o Prefeito de Ourinhos, Guilherme Andrew Gonçalves da Silva, por prática de ato ilegal, discriminatório e contrário aos princípios constitucionais e legais que regem o Sistema Único de Saúde (SUS), ao proibir o fornecimento de medicamentos e remédios na UPA local a pacientes que, embora residam em outras cidades, buscam atendimento médico na referida unidade de saúde”, diz trecho do documento. (Confira a íntegra do documento protocolado no MP abaixo).
SÍNDROME RARA – A criança, de 5 anos, é portadora da Síndrome de Angelman, que é uma doença genética rara que afeta o sistema nervoso e causa atrasos no desenvolvimento, deficiências intelectuais e problemas de movimento.
Os remédios receitados na consulta, dentre eles, antibióticos e remédios pra dor, são medicações comuns que constam na lista de medicamentos fornecidos pelo SUS. A família ainda salienta que o nome do município de Canitar foi circulado na receita (vide foto), um indício de que esse grifo seria para alertar aos farmacêuticos das unidades para não fornecerem as medicações a pessoas de outras cidades. O caso tem gerado grande repercussão nas redes sociais.
Receita fornecida durante o atendimento da criança na UPA de Ourinhos – Foto: Reprodução
O OUTRO LADO – Entramos em contato com a assessoria de comunicação da prefeitura de Ourinhos, que nos enviou nota divulgada pela Santa Casa, que administra a UPA.
A nota emitida em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde de Ourinhos na tarde desta quinta-feira (30), diz que “o fornecimento de medicações em razão de receituário pós-atendimento é de responsabilidade do paciente e do município de origem”. Confira a nota na íntegra:
“A Santa Casa de Ourinhos e a Secretaria Municipal de Saúde de Ourinhos esclarecem que os recentes questionamentos publicados sobre o atendimento a uma menor foram devidamente analisados.
Reafirmamos que a paciente recebeu o atendimento médico adequado, conforme os protocolos pactuados.
Esclarecem ainda, que o fornecimento de medicações em razão de receituário pós-atendimento é de responsabilidade do paciente e do município de origem.
O programa Remédio na Hora foi criado pelo Município de Ourinhos para garantir o início do tratamento imediato junto a sua Unidade Básica de Saúde de referência, garantindo a continuidade do tratamento e evitando sobrecarga nos serviços de urgência. Reforçamos a importância de que todo tratamento deve começar na unidade de saúde mais próxima da residência do paciente, garantindo um atendimento mais eficiente e organizado.
Reafirmamos o compromisso com a transparência e com a qualidade do atendimento prestado à população.”
Íntegra da denúncia protocolada no Ministério Público.
Ao Excelentíssimo Senhor Doutor Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Comarca de Ourinhos,
Assunto: Denúncia contra o Prefeito de Ourinhos, Guilherme Andrew Gonçalves da Silva, por prática de ato ilegal e discriminatório na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) local, violando direitos fundamentais à saúde e ao tratamento digno.
I – INTRODUÇÃO
Venho, respeitosamente, perante Vossa Excelência, denunciar o Prefeito de Ourinhos, Guilherme Andrew Gonçalves da Silva, por prática de ato ilegal, discriminatório e contrário aos princípios constitucionais e legais que regem o Sistema Único de Saúde (SUS), ao proibir o fornecimento de medicamentos e remédios na UPA local a pacientes que, embora residam em outras cidades, buscam atendimento médico na referida unidade de saúde.
II – DOS FATOS
- A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Ourinhos, mantida pelo município, possui uma farmácia municipal em suas dependências, destinada ao fornecimento de medicamentos aos pacientes atendidos na unidade.
- Recentemente, foi implementada uma política, sob ordens do Prefeito Guilherme Andrew Gonçalves da Silva, que proíbe o fornecimento de medicamentos a pacientes que, embora sejam atendidos na UPA, residem em outras cidades.
- Tal política tem resultado na negativa de medicamentos essenciais a pacientes que necessitam de tratamento imediato, independentemente de sua cidade de residência, violando o princípio da universalidade do SUS e o direito à saúde garantido pela Constituição Federal.
- A prática em questão configura ato discriminatório, pois estabelece um tratamento diferenciado e prejudicial a pacientes com base em sua cidade de residência, além de violar a jurisprudência consolidada do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) no Processo nº 0807884-07.2019.4.05.0000, que estabelece a obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos pelo município onde o paciente está recebendo tratamento, independentemente de sua residência.
- Ademais, a decisão do Processo nº 70010190551, proferida pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, reforça a ilegalidade da conduta do Prefeito de Ourinhos. No referido processo, o município de Porto Alegre foi impedido de restringir o acesso à saúde a cidadãos que moram em outra cidade, sendo negada a apelação do município. O relator, desembargador Roque Joaquim Volkweiss, destacou que a responsabilidade pela saúde é de todos os entes da federação (União, Estados e Municípios), conforme o artigo 196 da Constituição Federal, e que a descentralização é característica do SUS, permitindo que o cidadão eleja quem responderá pelo fornecimento de medicamentos ou atendimento médico-hospitalar.
III – DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS
- Direito à Saúde (Art. 196 da Constituição Federal): A Constituição Federal de 1988 estabelece que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. A política implementada pelo Prefeito de Ourinhos viola este princípio ao negar medicamentos a pacientes com base em sua cidade de residência.
- Universalidade do SUS (Lei 8.080/90): O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado para garantir atendimento integral, universal e gratuito a todos os cidadãos, independentemente de sua origem ou local de residência. A negativa de medicamentos a pacientes de outras cidades viola este princípio fundamental.
- Jurisprudência Consolidada: Conforme decisão do TRF5 no Processo nº 0807884-07.2019.4.05.0000, é obrigação do município fornecer medicamentos a pacientes que estão recebendo tratamento em suas unidades de saúde, independentemente de sua cidade de residência. A decisão destacou que o SUS é composto por União, Estados e Municípios, que devem atuar de forma solidária para garantir o direito à saúde.
- Decisão do TJ-RS (Processo nº 70010190551): A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou a apelação do município de Porto Alegre, que tentava restringir o acesso à saúde a cidadãos de outras cidades. O relator, desembargador Roque Joaquim Volkweiss, reforçou que a saúde é um direito fundamental e responsabilidade solidária de todos os entes da federação, não podendo o município restringir o fornecimento de medicamentos, consultas, exames ou tratamentos com base na cidade de residência do paciente.
- Discriminação e Violação de Direitos Humanos: A política implementada pelo Prefeito de Ourinhos configura ato discriminatório, pois estabelece um tratamento diferenciado e prejudicial a pacientes com base em sua cidade de residência, violando o princípio da igualdade e o direito à dignidade da pessoa humana.
IV – DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requeiro a Vossa Excelência que:
- Acolha a presente denúncia e promova as medidas cabíveis para apurar a conduta do Prefeito de Ourinhos, Guilherme Andrew Gonçalves da Silva, por prática de ato ilegal e discriminatório na UPA local.
- Determine a imediata suspensão da política que proíbe o fornecimento de medicamentos a pacientes de outras cidades, garantindo o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, conforme previsto na Constituição Federal e na legislação do SUS.
- Promova a responsabilização civil e administrativa do Prefeito de Ourinhos, caso seja comprovada a prática de ato ilegal e discriminatório.
- Determine o fornecimento imediato de medicamentos a todos os pacientes atendidos na UPA de Ourinhos, independentemente de sua cidade de residência, em conformidade com a jurisprudência consolidada do TRF5 e do TJ-RS.
V – DO DIREITO
Fundamenta-se a presente petição nos seguintes dispositivos legais e jurisprudenciais:
- Constituição Federal de 1988, Art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
- Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde): Estabelece os princípios e diretrizes do SUS, garantindo a universalidade, integralidade e igualdade no acesso aos serviços de saúde.
- Jurisprudência do TRF5 (Processo nº 0807884-07.2019.4.05.0000): Decisão que consolidou a obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos pelo município onde o paciente está recebendo tratamento, independentemente de sua cidade de residência.
- Jurisprudência do TJ-RS (Processo nº 70010190551): Decisão que impediu o município de Porto Alegre de restringir o acesso à saúde a cidadãos de outras cidades, reforçando a responsabilidade solidária dos entes federativos no fornecimento de medicamentos e tratamentos.
VI – CONCLUSÃO
Diante dos fatos narrados e da violação aos princípios constitucionais e legais, requeiro a Vossa Excelência que adote as medidas necessárias para garantir o direito à saúde de todos os cidadãos, independentemente de sua cidade de residência, e promova a responsabilização dos agentes públicos envolvidos na prática de atos ilegais e discriminatórios.
Nestes termos, pede deferimento.
Nota da Santa Casa e da Secretaria Municipal de Saúde de Ourinhos – Foto: Reprodução