quinta, 12 de setembro de 2024

Hoje é seu dia de sorte

Publicado em 24 ago 2016 - 11:55:10

           

Me rogaram uma praga. Você só vai se interessar por homens estranhos. Quando a Vânia disse isso, com sangue nos olhos, ela até tinha razão pra tanto rancor. Eu tinha roubado o namorado dela. Nem dei muita bola, mas a sucessão de namorados esdrúxulos me fez crer que praga de Vania pega. Eu não ligava muito, quem sofria era minha mãe. Cada namorado que eu levava pra casa era um martírio pra ela. Um dos últimos, Paulão, um lutador de sumo albino, pesando 180 kg e com uma tatuagem de teia de aranha no rosto, quase matou a coitada de susto. Até que veio o Beto. Um moreno longilíneo, com duas sobrancelhas negras de taturana incrustadas num rosto fino e moreno, dono de uma boca desenhada pra beijar direito. O  Beto era “O” cara, forte, atlético, bem sucedido, flexível, escolástico, bom de cama, mesa e banho. Adorava cozinhar e fazia um cozido de comer rezando de tão bom. Minha mãe fez promessa, desvirou o São Jorge, me deu o enxoval completo e andava procurando casas pra alugar ali perto da vizinhança. Eu ia ficando com o Beto, um pouco pra deixar a velha feliz, um pouco pra tentar descobrir qual era o defeito daquele cara. Pra alegria da minha mãe as coisas iam ficando serias até que finalmente ele me pediu em casamento. Eu desisti de tudo duas semanas antes da festa. O Beto não tinha graça pra mim. Minha mãe ficou sem falar comigo seis meses. Nós só voltamos a nos falar quando levei o Geraldo pra ela conhecer. Geraldo era dono de funerária e mamãe achava um ramo estável, já que gente morre todos os dias. Ela não precisava saber que ele toda noite dormia dentro dos caixões novos, pra amaciar a espuma pros clientes dizia ele. Mas ela só me perdoou de verdade quando prenderam o Beto. Ele assassinava as namoradas, guardava no freezer e ia comendo as defuntas aos pouquinhos. É… nunca roube o namorado de uma Vânia.

 

Acordei mais cedo porque iria ao médico e entraria no serviço uma hora antes. Trabalhei seis horas e depois fui ao médico. Os ginecologistas e seus exames vexatórios. Sai da clínica, passei no mercado porque o sabão em pó tinha acabado. Do mercado fui direto pra escola que era dia de reunião de pais. Da escola passamos em casa para pegar o quimono e fomos pra aula de judô. Chegamos em casa as nove e já fui sapecando o menino pro banheiro. Enquanto ele tomava banho fui adiantando o jantar, que só comemos depois de fazer a lição de casa. Lavei a louça, passei um paninho na cozinha e depois de tudo limpo apaguei as luzes passei os trincos na porta e fui pra sala. Aquele menino tem um eletrodo no cérebro conectado com o sofá porque toda vez que eu me sento nele, no sofá não no menino, ele fica com sede, mãe pega agua pra mim. Desisti do sofá e fui arrumar a mochila com o lanchinho pro recreio de amanhã, colocar o quimono encardido de molho e passar uma camiseta do uniforme. Banho. Cama. Satisfeita por ter dado tudo certinho nesse dia corrido peguei o celular pra dar uma zapeada e vejo, num fórum de discussões, um doutor não sei o que dizendo que hoje a mulher não exerce mais a dita dupla jornada, por isso não precisa mais do privilégio de se aposentar mais cedo. Nãhhhh, jura???!!!! Eu ia retrucar, ia esculachar o cara, ia apelar pra #óiaorolão mas olhei no relógio, meia noite e quarenta, desisti. Mesmo porque tenho certeza que o doutor não sei o que terá várias noites de sono mal dormidas, afinal sofá dá uma bruta dor nas costas.

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