domingo, 17 de agosto de 2025
Publicado em 27 abr 2025 - 12:49:50
Caso de menino de 8 anos em Ourinhos revela como plataformas ilegais de jogos enganam menores e escancaram falta de regulação e fiscalização no Brasil
Alexandre Mansinho
João dos Santos*, morador do Residencial Pacaembu, em Ourinhos (SP), descobriu da forma mais inesperada que seu filho de apenas 8 anos havia sido vítima de um golpe disfarçado de entretenimento. Durante uma checagem rotineira em sua fatura de cartão de crédito, usado apenas para contas da casa, ele se deparou com várias cobranças de R$ 40 a R$ 50.
“Deixo esse cartão só para contas de consumo aqui em casa. Ele tem um limite de dois mil reais, mas a gente usa pouco. Achei estranho e fui olhar a fatura. Tive uma surpresa”, relatou João à equipe do EN DIA Negocião. O susto se transformou em preocupação quando ele descobriu que o responsável era seu filho, E.S.S., que havia usado os dados do cartão para apostar em um jogo online.
UMA “AMIGA VIRTUAL” CHAMADA AMANDA – Segundo João, o filho havia aprendido a usar o cartão durante uma emergência familiar, ao ajudá-lo a comprar um remédio pelo celular. A experiência acabou sendo mal aproveitada. Pouco tempo depois, a criança foi atraída por uma suposta colega virtual, Amanda, que dizia ter 7 anos, mas que na verdade era um robô programado para induzir apostas.
“O mais difícil foi ele contar. Depois de muita insistência, ele explicou que a Amanda o convenceu a jogar. Era tudo muito colorido, cheio de personagens que chamam a atenção de criança. A gente leu sobre esses golpes, mas achava que isso nunca ia acontecer com a gente”, desabafa o pai. O jogo em questão, segundo ele, era o famoso “Jogo do Tigrinho”, conhecido por sua estética infantil e por rodar em plataformas ilegais.
IMPACTOS FINANCEIROS E EMOCIONAIS – Com as cobranças processadas como compras legítimas, a família teve que assumir a dívida, parcelar os valores e tomar medidas de segurança, como trocar os dados do cartão. Além disso, iniciaram um diálogo com o filho sobre o uso consciente da internet e os perigos escondidos no ambiente digital.
O caso foi registrado na Polícia Civil, mas as autoridades alertam que, sem regulamentação adequada, os responsáveis pelas plataformas ilegais dificilmente são responsabilizados. Especialistas apontam que a situação se repete em todo o país e que os menores são as principais vítimas desse cenário.
DADOS ALARMANTES: ADOLESCENTES SÃO O GRUPO MAIS VULNERÁVEL – Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, crianças e adolescentes representam 55% do grupo com algum grau de risco ou transtorno por vício em apostas. Entre os adolescentes, 10,5% admitiram ter jogado no último ano, e no Sul do país essa prática é ainda mais presente.
Apesar de existirem portais legalizados pelo governo federal com exigência de CPF e reconhecimento facial, a maioria das apostas ocorre em sites clandestinos, que escapam das regras e oferecem fácil acesso até para crianças.
O APELO INFANTIL E OS DANOS PSICOLÓGICOS – Nas redes sociais da Associação Brasileira de Psicologia Infantil há publicações acerca do tema. A entidade orienta que os pais e responsáveis precisam estabelecer um diálogo aberto com essas pessoas, conversar sem julgamentos, sem acusações e mostrar o perigo desses jogos.
Além da supervisão dos pais, pode ser necessário acompanhamento psicológico ou psiquiátrico. A exposição constante a esse tipo de conteúdo pode causar danos duradouros na saúde mental de crianças e adolescentes.
A RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE E OS ALERTAS DA PEDIATRIA – A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) reforça que essas atividades de apostas são classificadas como comportamentos aditivos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com impactos sérios na saúde mental. Em nota recente, a SBP condena a exploração comercial da infância e afirma que crianças não devem ser tratadas como “moedas de troca”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também determina que práticas que explorem vulnerabilidades de menores são passíveis de punição, inclusive criminal. A promoção de jogos como o “Tigrinho” nas redes sociais, com linguagem visual atrativa para o público infantil, é considerada uma violação grave dos direitos da infância.
CAMINHOS PARA PROTEÇÃO: SUPERVISÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS – Diante do cenário alarmante, especialistas e autoridades recomendam que pais supervisionem o uso de dispositivos eletrônicos, evitem deixar dados bancários salvos nos celulares e, sobretudo, conversem abertamente com os filhos sobre segurança digital.
Enquanto isso, o governo tenta agir. A Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda firmou acordo com a Anatel para bloquear sites ilegais e publicou portarias que instruem bancos a recusarem serviços a operadoras não licenciadas.
No entanto, até que uma regulamentação eficaz entre em vigor – o que está previsto para 2025 – a responsabilidade de proteção ainda recai fortemente sobre as famílias.
*Nome alterado para preservar a identidade da fonte.
Fotos: Reprodução/Internet
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