quarta, 12 de março de 2025

O Mistério do Caso Sérgio Emanoel: Um Retrato da Crise de Pessoas Desaparecidas no Brasil

Publicado em 11 mar 2025 - 09:59:13

           

Familiares de desaparecidos enfrentam burocracia, falta de apoio e um luto sem fim, enquanto autoridades buscam soluções para um problema que afeta milhares de famílias no país.

 

Alexandre Mansinho

 

No dia 6 de dezembro de 2023, o jovem Sérgio Emanoel Pires dos Reis, mais conhecido pelos parentes e amigos como Serginho, de 22 anos, saiu de casa em Jacarezinho, no Paraná, para dar uma volta de moto. Ele havia comprado o veículo usado com o dinheiro que juntou trabalhando na JBS, a moto estava na oficina para consertar um problema no câmbio, Serginho saiu dizendo a família que iria “dar uma volta para testar a moto”, mas nunca mais voltou. Horas depois, foi abordado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) na BR-153, em Ourinhos (SP), por estar sem capacete. Segundo a PRF, Serginho não obedeceu à ordem de parada, caiu da moto, foi algemado e, após um “lapso de atenção” do agente, fugiu da viatura. Desde então, ninguém sabe do seu paradeiro.  

Sérgio Emanoel, o Serginho, desaparecido desde 06 de dezembro de 2023 – Foto: Reprodução.

 

A família, no entanto, questiona a versão oficial. “O policial que abordou Serginho foi irônico com a gente quando falamos com ele pela primeira vez. Ele não deu atenção”, relata Adriana Aparecida Pires, mãe do jovem. Para os pais, a PRF não fez o suficiente para encontrá-lo. “As buscas só começaram três dias depois, e a maior parte foi feita por nós e por amigos”, desabafa Adriana.  

A Dor de uma Família em Busca de Respostas

Adriana e Adão dos Reis, pais de Serginho, disseram ao jornalismo do EN DIA Negocião que vivem um tormento diário. “A gente não tem mais paz. Qualquer pista que aparece, nós vamos verificar”, diz Adão, emocionado. Eles já percorreram cidades como Ourinhos, Canitar, Chavantes e Piraju, sempre seguindo rumores de pessoas parecidas com o filho ou de corpos encontrados. “Enterrei meus pais e, mesmo sentindo a dor da perda, sei onde eles estão. Já o Serginho… não sabemos”, lamenta.  

 Adriana Aparecida Pires e Adão dos Reis, pais do jovem Serginho – Foto: Arquivo Pessoal.

 

A família acredita que o jovem pode estar vagando pela região em estado de crise psicológica. “Ele era quieto, trabalhador, não se envolvia em confusões. Acho que ele teve um surto psicótico por causa da abordagem e saiu andando sem rumo”, diz Adriana.

As Versões Conflitantes e a Falta de Apoio das Autoridades

Enquanto a PRF afirma que realizou buscas imediatas com o apoio de outras forças policiais e até cães farejadores, a família contesta. “Estamos sozinhos. Ninguém da polícia está ajudando”, desabafa Adriana. O EN DIA Negocião procurou as duas polícias que estão envolvidas no caso e obteve respostas por meio de nota. A Polícia Civil do Paraná alega que o caso é de competência de São Paulo, já que o desaparecimento ocorreu no estado vizinho. Já a Polícia Civil de São Paulo informa que o caso está sob investigação, mas a família afirma que nunca foi contatada para prestar mais esclarecimentos ou fornecer mais informações.

O Sistema de Busca por Desaparecidos no Brasil

O caso de Serginho reflete um problema maior: a falta de um sistema eficiente para localizar pessoas desaparecidas no Brasil. Segundo dados do Ministério da Justiça, 70 mil pessoas desapareceram no país apenas em 2023. Muitas delas acabam em hospitais ou instituições de longa permanência, sem conseguir se identificar devido a problemas psicológicos ou físicos.  

Para tentar mudar esse cenário, o governo federal lançou a Mobilização Nacional de Identificação de Pessoas Desaparecidas, que inclui a coleta de impressões digitais e DNA para cruzar informações com bancos de dados nacionais. Segundo publicação do site oficial do Sistema Único de Saúde – SUS, a ideia é juntar as duas partes – famílias e desaparecidos. No entanto, a coordenação entre as autoridades, desde o recebimento da ocorrência de desaparecimento até as ações efetivas estão carecendo de maior organização, atualmente as famílias que têm entes desaparecidos só contam com elas mesmas e com as ações de organizações não governamentais que atuam dando apoio e atenção psiquiátrica.

O Papel do Comitê Internacional da Cruz Vermelha

Organizações como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) também atuam no apoio a famílias de desaparecidos. Fernanda Baldo, oficial de Proteção do CICV, deu uma entrevista para o EN DIA Negocião na qual ela explicou que a entidade trabalha com autoridades e associações para garantir que as vozes dos familiares sejam ouvidas. “As famílias são as que realmente podem relatar a dor da ausência de seus desaparecidos”, diz Fernanda.  

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha junto com outras ONG’s trabalham para que haja um sistema mais organizado de busca pelos desaparecidos. Foto: Reprodução.

 

O CICV recomenda a criação de uma rede nacional de assistência interdisciplinar para atender às necessidades jurídicas, econômicas e psicológicas dessas famílias. “O sofrimento enfrentado por eles tem consequências graves para a saúde física e mental”, alerta Fernanda.

O Luto dos que Não Sabem

A psicóloga Adriana Rezende Medeiros conversou com o EN DIA Negocião e explicou que o desaparecimento de um ente querido cria um processo de luto único e doloroso. “O familiar de um desaparecido não tem a possibilidade de realizar rituais fúnebres, o que prolonga o sofrimento”, diz. Segundo ela, a falta de uma despedida pode levar a uma dissociação cognitiva, em que a pessoa perde a capacidade de reconstruir sua vida.

“É fundamental procurar apoio psicológico. No luto de pessoas desaparecidas, a terapia é essencial, pois a realidade fica sem sentido”, afirma Adriana.  

 Dra. Adriana Rezende Medeiros, psicóloga – Foto: Arquivo Pessoal.

A Busca por Justiça e Paz

Enquanto aguardam respostas, Adriana e Adão seguem na busca incansável pelo filho. “Para mim, o policial que abordou o Serginho não está falando toda a verdade”, desconfia Adão. A família contratou um advogado e já obteve autorização judicial para administrar a conta bancária do jovem e resolver problemas na esfera civil, mas o que realmente desejam é encontrar seu filho. 

O caso de Sérgio Emanoel é mais um entre milhares no Brasil, mas para sua família, é uma história única de amor, dor e esperança. “Não vamos parar até encontrá-lo”, promete Adriana, enquanto segura uma foto do filho, na esperança de que ele um dia volte para casa.

Site da Cartilha do Ministério da Justiça Sobre Pessoas Desaparecidas:

https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/mobilizacao-nacional

Site do Comitê Internacional da Cruz Vermelha:

https://www.icrc.org/pt

Se você tem informações sobre pessoas desaparecidas, entre em contato pelos telefones abaixo:

190 – Polícia Militar.

181 – Disque Denúncia.

197 – Polícia Civil.

© 1990 - 2023 Jornal Negocião - Seu melhor conteúdo. Todos os direitos reservados.