quinta, 26 de dezembro de 2024

Operação Falsus: Desvendando Esquemas de Fraude e Roubo de Cargas

Publicado em 02 dez 2024 - 08:45:23

           

Investigação revela rede criminosa com desvio milionário de grãos e fraudes em seguros, destacando desafios logísticos e impactos econômicos no Brasil.

 

Alexandre Mansinho

 

Os roubos de cargas são um problema crônico no Brasil, com um aumento de 4,8% em 2023 e 17.108 ocorrências registradas, de acordo com a Overhaul. O país ocupa a segunda posição no ranking global, atrás apenas do México. A região Sudeste é a mais afetada, concentrando 76% dos casos, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro, que respondem por 70% das ocorrências.

Entre os alvos principais estão mercadorias mistas (43%), alimentos e bebidas (12%), tabaco (10%) e produtos eletrônicos (8%). A alta demanda no mercado paralelo e a facilidade de escoamento impulsionam esses crimes, que geram impactos significativos em toda a cadeia logística.

Seguros: Uma Barreira Essencial Contra Prejuízos

No cenário alarmante dos roubos de cargas, seguros especializados são indispensáveis para transportadoras e embarcadores. O seguro de Responsabilidade Civil do Transportador (RCT-RC), obrigatório para transportadoras licenciadas pela ANTT, cobre prejuízos decorrentes de roubos, acidentes ou avarias.

Em 2023, as seguradoras pagaram R$ 252 milhões em indenizações por roubos de carga apenas no primeiro semestre, um aumento de 2,4% em relação ao ano anterior, conforme dados da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). São Paulo lidera em indenizações, com R$ 148,7 milhões, enquanto Minas Gerais registrou o maior crescimento percentual, de 67,2%.

Fraudes em Seguros: Quando o Crime Se Reinventa

O aumento dos roubos de cargas criou terreno fértil para fraudes em seguros. Caminhoneiros e até transportadoras simulam roubos para obter indenizações. José* (nome fictício), caminhoneiro experiente, revelou ao EN DIA Negocião como os criminosos abordam motoristas em postos de parada, oferecendo dinheiro em troca de sua participação.

O golpe mais comum envolve o caminhoneiro simulando um roubo: ele desaparece por alguns dias, registra um boletim de ocorrência falso e comercializa a carga no mercado clandestino. Em alguns casos, transportadoras colaboram fornecendo informações estratégicas para quadrilhas simularem crimes de forma quase indetectável.

José também afirmou à reportagem que esses crimes são já conhecidos dos profissionais do transporte: “eu não entro em uma roubada dessas porque tenho família e filhos, há quem ganhe 4 ou 5 mil reais em um dia, mas depois perde tudo na mão dos advogados (…) quando chamam para viajar à noite, está dada a senha, pode ter certeza de que é esquema (…) se investigar bem, vai ter muita gente graúda, fazendeiros e empresários nesse rolo”, completa.

A Operação Falsus

A Polícia Civil, por meio da Delegacia Seccional de Presidente Prudente (SP) e da Unidade de Inteligência Policial/D8, deflagrou a segunda fase da Operação Falsus em 26 de novembro de 2024. Com ações coordenadas em São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, a operação visa desarticular uma organização criminosa especializada no desvio de cargas de grãos de alto valor. Este grupo já causou prejuízos estimados em R$ 10 milhões às empresas vítimas.

Alvo da Operação: Desvios Milionários de Grãos

As investigações revelaram que o grupo utilizava plataformas de frete para identificar cargas de interesse, como soja e trigo. Mediante o cadastro de caminhões e motoristas vinculados à organização criminosa, as cargas eram desviadas e o roubo era simulado com a apresentação de boletins de ocorrência falsificados. Esse esquema sofisticado permitia que as mercadorias fossem encaminhadas a empresas receptoras, ocultando a origem ilícita.

A investigação teve início em 10 de junho de 2023, em Iepê (SP), após o desaparecimento de duas cargas de soja, totalizando 76 toneladas. O destino seria Osvaldo Cruz (SP), mas a carga nunca chegou. Desde então, outras ocorrências semelhantes foram identificadas, apontando para uma atividade criminosa sistemática. A prática já era recorrente desde 2013, com pelo menos 40 cargas subtraídas ao longo dos anos.

Ações da Segunda Fase

Na manhã de 26 de novembro, foram cumpridos 35 mandados de busca e apreensão e 13 mandados de prisão preventiva. As ações ocorreram em diversas cidades, incluindo Assis, Campo Grande, Londrina e outras localidades estratégicas. Em Assis, especificamente, foram realizadas oito buscas e duas prisões. Entre os investigados, destacam-se duas advogadas da cidade, agora rés pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Estrutura do Esquema Criminoso

A organização contava com pelo menos dez motoristas que utilizavam veículos pertencentes aos líderes do esquema. Eles eram responsáveis pelos falsos fretes e pela distribuição das cargas desviadas. Empresas do setor de grãos também estão sob investigação por possível receptação das mercadorias subtraídas. Ao todo, 19 pessoas foram denunciadas e responderão por furto qualificado, uso de documento falso, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

A primeira etapa da Operação Falsus, realizada em março de 2024, já havia obtido avanços significativos. Na ocasião, seis indivíduos foram condenados a penas de quatro a sete anos de reclusão por envolvimento no esquema. Essas ações iniciais abriram caminho para um mapeamento mais amplo da organização e possibilitaram a atual ofensiva.

Impacto nas Empresas Vítimas

O prejuízo estimado em R$ 10 milhões reflete o impacto significativo do esquema nas empresas do setor agrícola. As cargas desviadas incluíam produtos de alto valor, como soja e trigo, fundamentais para a cadeia produtiva brasileira. O esquema comprometia não apenas as finanças das empresas, mas também a credibilidade das plataformas de frete utilizadas.

Operação de Grande Escala

A Operação Falsus mobilizou 150 policiais civis e 34 viaturas, em ações simultâneas nos três estados-alvo. O envolvimento de múltiplas unidades policiais demonstra a complexidade do esquema e a necessidade de uma resposta coordenada para combater o crime organizado.

As advogadas de Assis desempenhavam um papel estratégico, auxiliando na ocultação dos lucros obtidos com os desvios. Com acusações de lavagem de dinheiro, elas agora enfrentam processos criminais que reforçam a gravidade do esquema. Esse envolvimento ressalta a diversidade de perfis dentro da organização criminosa.

Próximos Passos

As investigações continuam com o objetivo de identificar outros participantes e possíveis receptadores das cargas desviadas. O trabalho policial, aliado à atuação do Ministério Público, busca garantir que os responsáveis sejam levados à justiça e que o prejuízo às empresas seja minimizado.

Para o EN DIA Negocião, por meio de nota, a Polícia Civil de São Paulo afirmou que não pode dar mais detalhes sobre os nomes das pessoas presas, as empresas envolvidas, quer como vítimas quer como parte do esquema, e nem os nomes dos foragidos para que os trabalhos que ainda estão em curso não sejam prejudicados.

Imagens: Reprodução.

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