sexta, 19 de abril de 2024

Anvisa autoriza importação de doses das vacinas Sputinik e Covaxin

Agência autorizou importação de 928 mil doses da Sputnik V e de 4 milhões da Covaxin, mas não garante qualidade, eficácia ou segurança; uso ainda pode ser suspenso

 

Da redação

 

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, na sexta-feira (4), o pedido de importação excepcional das vacinas Sputnik V e Covaxin contra a Covid-19.

Nesta reportagem do G1, você vai entender o que essa decisão significa, o que ainda falta esclarecer sobre a segurança e eficácia das vacinas e outros pontos:

Quais vacinas estavam em análise?

Estavam em análise duas vacinas: a Sputnik V e a Covaxin. Veja alguns pontos sobre elas:

Sputnik V

A Sputnik V foi desenvolvida na Rússia, é uma vacina de vetor viral (mesma tecnologia de Oxford/AstraZeneca e Johnson) e é aplicada em duas doses, que podem ser dadas com até 3 meses de diferença. Esta vacina já tem resultados publicados de fase 3.

 

Infográfico mostra como funcionam vacinas de vetor viral contra o coronavírus — Foto: Anderson Cattai/G1

 

Qual a eficácia da vacina?

91,6%, segundo estudo de fase 3. Esse percentual indica a proporção em que os casos de Covid-19 foram reduzidos entre o grupo vacinado e não vacinado em testes clínicos.

Qual a efetividade da vacina?

A efetividade de uma vacina indica a capacidade que ela teve de diminuir os casos de uma doença na “vida real”. Em abril, um estudo preliminar apontou que a efetividade da vacina é de 97,6%, ou seja: ela conseguiu diminuir em 97,6% os casos de Covid que ocorreriam na vida real se as pessoas não tivessem sido vacinadas. Uma outra pesquisa, desta semana, apontou uma efetividade de 78,6% em idosos com a versão de apenas uma dose da vacina, a “Sputnik Light”.

 

Covaxin

A Covaxin foi desenvolvida na Índia, é uma vacina inativada (mesma tecnologia da CoronaVac) e é aplicada em duas doses, que podem ser dadas com 2 a 4 semanas de diferença. Não tem resultados publicados de fase 3.

 

Infográfico mostra como funcionam vacinas inativadas contra o coronavírus — Foto: Anderson Cattai/G1

 

Qual a eficácia da vacina?

Uma análise preliminar dos dados de fase 3 divulgada em abril apontou uma eficácia de 78%. Isso significa que, em testes clínicos da vacina, ela conseguiu reduzir em uma proporção de 78% os casos de Covid no grupo vacinado em relação ao grupo não vacinado.

Qual a efetividade da vacina? Não se sabe.

O que exatamente a Anvisa autorizou?

A Anvisa autorizou a importação excepcional dos lotes solicitados das vacinas. Isso significa que elas poderão ser importadas pelo Ministério da Saúde (no caso da Covaxin) ou pelos estados (no caso da Sputnik V) e aplicadas. A autorização de aplicação refere-se somente às doses importadas e àquelas fabricadas em plantas inspecionadas pela Anvisa.

Além disso, a autorização vale apenas para os lotes solicitados, ou seja: outros lotes da Covaxin e Sputnik V só poderiam chegar ao Brasil se o pedido à Anvisa fosse refeito. As farmacêuticas teriam de fazer uma outra solicitação se quiserem a autorização do uso emergencial desses imunizantes, o que permitiria a continuidade da importação.

A agência NÃO concedeu autorização de uso emergencial de nenhuma das duas vacinas. No caso da Sputnik V, esse pedido foi feito pela empresa União Química, que quer produzir a Sputnik V no Brasil, mas o prazo de análise dele está suspenso e depende de informações completas do laboratório — que serão analisadas separadamente pela Anvisa.

As vacinas são seguras? Elas funcionam contra a Covid-19?

A Sputnik V teve dados publicados na revista “Lancet” que apontaram a vacina como segura e eficaz contra a Covid.

Ao autorizar a importação da vacina, entretanto, a Anvisa salientou que o imunizante “não tem avaliação” da agência quanto a qualidade, eficácia e segurança.

Ou seja: a agência não garantiu que Sputnik V tenha qualidade, seja eficaz e segura dentro dos parâmetros exigidos com os dados que foram apresentados.

A Covaxin não teve estudos de fase 3 publicados – que são aqueles que determinam a segurança e a eficácia de uma vacina em larga escala. Um anúncio feito pela própria fabricante da apontou que a vacina foi eficaz contra a Covid.

A Anvisa também não garantiu a qualidade, eficácia ou segurança da Covaxin com os dados apresentados até agora.

Quantas doses foram autorizadas? Para que estados elas irão?

A Anvisa autorizou a importação excepcional de 928 mil doses da Sputnik V por 6 estados, distribuídas da seguinte forma:

  • Bahia: 300 mil
  • Maranhão: 141 mil
  • Sergipe: 46 mil
  • Ceará: 183 mil
  • Pernambuco: 192 mil
  • Piauí: 66 mil doses

Já a Covaxin recebeu autorização de importação para 4 milhões de doses, que serão entregues ao Ministério da Saúde. De acordo com a agência, o gerenciamento de doses foge da competência da Anvisa. As negociações acontecem diretamente entre o Ministério da Saúde e os estados.

Quando as doses vão chegar?

Nenhuma previsão foi divulgada até agora. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), anunciou, na rede social Twitter, que os governadores da Amazônia e do Nordeste terão uma reunião às 10h deste sábado (5) para “definição dos próximos passos”.

Mais doses poderão ser importadas depois?

Sim. Para ambas as vacinas, após o uso das doses autorizadas na sexta-feira, a Anvisa vai analisar os dados de monitoramento do uso para, então, avaliar os próximos quantitativos a serem importados.

O uso pode ser suspenso?

Sim. A importação e o uso das vacinas poderão ser suspensos caso os pedidos de uso emergencial em análise pela Anvisa ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sejam negados ou, ainda, com base em informações provenientes do controle e do monitoramento do uso das vacinas no Brasil.

Em que pessoas essas vacinas NÃO poderão ser aplicadas?

A Anvisa barrou o uso das doses dos lotes importados da Covaxin e Sputnik V nos seguintes casos:

  • Pessoas com hipersensibilidade a qualquer dos componentes da fórmula
  • Gravidez
  • Lactantes
  • Menores de 18 anos ou maiores de 60 anos
  • Mulheres em idade fértil que desejam engravidar nos próximos 12 meses
  • Enfermidades graves ou não controladas e antecedentes de anafilaxia
  • Pessoas que tenham recebido outra vacina contra a Covid-19
  • Pessoas com febre
  • Pessoas com HIV, hepatite B ou C
  • Pessoas que tenham se vacinado nas 4 semanas anteriores
  • Pessoas que tenham recebido imunoglobulinas ou hemoderivados 3 meses antes
  • Pessoas que tenham recebido tratamentos com imunossupressores, citotóxicos, quimioterapia ou radiação 36 meses, tenham recebido terapias com biológicos incluindo anticorpos anticitocinas e outros anticorpos.

Eu posso recusar a vacina se ela for oferecida na minha cidade?

Sim, pode, explica o médico e advogado sanitarista Daniel Dourado, professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Paris.

“As pessoas sempre puderam se recusar. Elas estão se recusando [a tomar outras vacinas contra a Covid]”, pontua Dourado.

“Eles [os técnicos da Anvisa] colocaram como condicionante [da aprovação de importação] que o rótulo tem que estar em português, e precisa constar a informação de que aquela vacina não tem ainda autorização, que ela está sendo importada a pedido do governo, e as pessoas vão tomar sabendo disso”, lembra.

Por que a Anvisa aprovou se não atestou a segurança, eficácia e qualidade?

Os diretores da Anvisa consideraram o cenário da pandemia no Brasil. O relator dos pedidos, o diretor Alex Campos, afirmou que não se pode “desperdiçar opções vacinais”.

Covaxin e Sputnik V: O que muda na vacinação do Brasil com decisão da Anvisa

Na avaliação de Daniel Dourado, a aprovação tem a ver com a situação da pandemia – que é “de urgência” e “excepcionalíssima”, diz.

“Em condições normais, a Anvisa não aprovaria essas vacinas. Provavelmente não teria aprovado nenhuma das que foram aprovadas até agora; até mesmo a Pfizer e a Fiocruz [Oxford/AstraZeneca], que foram as duas que tiveram registro [sanitário definitivo], foram porque a Anvisa criou um procedimento de fluxo contínuo para acelerar. Mas quando elas foram [aprovadas] ainda faltava coisa. Hoje em dia está tudo certo”, lembra.

“A CoronaVac até hoje não tem registro, está funcionando com autorização temporária para todos os lotes que estão fazendo. Mas provavelmente daqui a pouco vai obter, também. É uma espécie de autorização ‘emergencial emergencial'”, pontua.

“Ela colocou isso até no fundamento do próprio voto: ‘a situação da pandemia está crítica, a gente está precisando de vacina. Considerando isso, nós vamos criar um procedimento bastante excepcional para ter vacina, porque se não aprovar essa não vai ter outra para colocar no lugar’, explica Dourado.

O que a aprovação significa para o ritmo da vacinação no Brasil?

Para a epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a aprovação é “confusa” e acrescenta mais um complicador à campanha de vacinação contra a Covid no país.

Maciel avalia que, como a vacinação de idosos e profissionais de saúde já terminou, a imunização agora deveria seguir o critério por idade, o que agilizaria o processo.

Mas, com a Sputnik V e a Covaxin sendo adicionadas à campanha apenas para um grupo específico de pessoas, esse processo fica mais complicado.

“Entra o complicador dessas vacinas que têm esse padrão especial. Porque a gente vai ter que criar grupos diferenciados para elas. As pessoas terão que ser acompanhadas de forma diferente, porque vai seguir um estudo para avaliar a efetividade, se é segura, se tem eventos adversos e se a eficácia também vai ser comprovada. Então é um grupo diferenciado dos outros, por isso que a gente cria uma assimetria”, pontua.

Outra questão, avalia a epidemiologista, é que as restrições determinadas pela Anvisa podem fazer com que as pessoas hesitem em se vacinar com a Sputnik e a Covaxin.

“Eu tenho uma preocupação grande que isso gere uma hesitação – que as pessoas fiquem muito preocupadas se devem tomar essas vacinas ou não. Para a população, é difícil compreender se ela deve tomar”, pondera Maciel.

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