quinta, 28 de março de 2024

“Pouco com Deus é muito… nós somos felizes assim”, asseguram famílias

São praticamente 60 pessoas de 13 famílias que garantem viver bem em uma área verde escondida da população ourinhense

 

Juliana Neves

 

Nossa reportagem procurou essa semana, um grupo de famílias em Ourinhos que até já havíamos feito matéria há alguns anos atrás. Mas não com este foco.

E resolveu contar um pouco da realidade de quem sobrevive em barracos, ao lado de bairros populosos e estabelecimentos comerciais e não reclamam de nada. Que são felizes e levam ao pé da letra o velho ditado: “pouco com Deus é muito e muito sem Deus é nada”.

ONDE FICAM ? – Em meio a uma localidade cheia de árvores frutíferas, quase uma floresta, no Jardim Manhattan ou Vila São Luiz, depende do ângulo de visão que você deseja observar, há a união de 13 famílias. Uma das entradas fica na Rua Eduardo Peres da altura do número 770.

Uma das entradas para chegar até as casas é próximo ao córrego atrás do Cemitério Municipal.

Uma estreita entrada rodeada de muito mato, diversos objetos, desde uma simples roupa até pedaços de algum móvel. Ao iniciar uma caminhada já é possível perceber a simplicidade daqueles que moram ali há 11 anos.

Casas construídas como podem, com material que conseguem e do jeitinho que cada integrante da família deseja que fosse erguido um teto para morar, para sobreviver. São quase 60 pessoas morando no mesmo local, sendo 22 crianças e todos têm um parentesco familiar.

A MATRIARCA – Dona Cleusa Leite, 63 anos, a matriarca que já é bisavó, foi pega no “flagra” saindo de um dos banheiros espalhados pelo terreno. E logo de cara iniciou uma conversa, sem ao menos demonstrar medo ou preocupação por nós, pessoas desconhecidas que adentravam em sua moradia.

Aos poucos, as crianças começaram a aparecer com olhares curiosos e os adultos, somente mulheres, começaram a conversar e contar as histórias de vida presentes naquele matagal.

Uma delas, Lucelia Gomes, filha de Dona Cleusa, começou a conversa em tom raivoso e de estranheza. Conforme a conversa foi fluindo, ela pegou confiança, pegou sua cadeira e sentou mais próximo de nós que estavávamos ali para ouvir e mostrar para a população o quanto eles são especiais.

CONDIÇÕES DE VIDA – De início, com a maior tranquilidade possível e sem vergonha de contar sobre o local onde estão suas casas, Dona Cleusa disse que não há saneamento básico e, por isso, o banheiro é de fossa. Muito menos há água tratada, isto é, “a água é de poço que, com certeza, é muito mais limpa de qualquer outra residência”, assegura ela.

“Já vieram pessoas pedir água para nós, com a desculpa que era para remédio, mas sabemos que queriam simplesmente beber. Não falta água aqui e é a melhor que tem”, afirma Lucelia.

COMO SE SUSTENTAM ? – Para trazer o sustento para casa, a maioria das mulheres trabalham em colheita de café das plantações que são misturadas em meio ao lixão do município. Porém, com determinação e força, elas estão lá derramando suor para garantir uma mistura no prato de comida da família.

A matriarca também recolhe reciclagem pela cidade e vende, seus genros e netos trabalham no que aparecem de oportunidade. Seja algo fixo ou um bico de um dia ou final de semana. O importante para eles é trabalharem e não deixar de trazer alguma felicidade e esperança de vida melhor para dentro de casa.

As casas são construídas com madeiras, lonas e qualquer material que possa sustentar uma residência, e o que sobra fica guardado em algum canto.

A conta de luz é única para todos, em torno de R$ 1.000,00. Cada família realiza o pagamento, aproximadamente, de R$ 80,00 para cada uma. Por falar em pagamento, os olhos brilham e os sorrisos vão de orelha a orelha quando falam que conseguem pagar as contas com o dinheiro que recebem do Programa do Governo Federal, o Bolsa Família.

“A conta de luz vem cara porque tem a bomba que puxa a água para as caixas e a gente tem que ligar de cinco em cinco minutos”, explicam.

SIMPLICIDADE – O quintal é o ponto principal de encontro de todos após às 18h00. Isto em meio a criação das galinhas espalhadas por todo terreno em busca de algum grão e de cachorros, que com o seu jeito de se apresentar e amar algum humano foram chegando perto de nós, como se diziam “oi, eu estou aqui também”.

Há muito objeto e lixo espalhados pelo terrenos e os animais vivem no meio destes materiais.

Observamos também uma linda horta com aramado especial, para que não haja nenhum estrago na produção que alimenta todas as famílias. “Nós comemos daqui e ainda vendemos na vizinhança”, comentam.

“PURO LUXO” – Apesar das condições precárias para se viver, as famílias possuem televisão a cabo, internet, veículo, alguns adolescentes estudam e não deixam faltar comida na mesa.

“Se eu não tenho o arroz, eu tenho o fubá e se não tenho a gordura eu tenho o sal. A gente se alimenta com o que tem e, quem sabe, dormimos melhor comendo isso do que um monte de coisa. Mistura também não falta, para nós é ovo, salsinha que é mais barato, batata e já tá bom. A gente vive bem e isso que é o que importa”, relatam Dona Cleusa e suas filhas.

ASSALTOS – Ao serem questionados de assaltos a pergunta foi respondida com gargalhadas, pois Lucelia disse que ali não há nada de interesse para alguém querer roubar, não há nada de valor.

Entretanto, o tio de seu marido já roubou alguma louça, comida, o que fosse alcançável para ser trocado por drogas. Hoje ele está preso e as famílias são agradecidas, pois ele não perturba mais quem não precisa passar por essa situação.

FÉ E ESPERANÇA – Ao fim, Dona Cleusa se garante como uma guerreira por lutar em morar naquele local e por conseguir se curar, por meio de tratamentos e fé em Deus, de um câncer no útero. “Somos muito felizes aqui, até mais do que aquelas pessoas que têm de tudo dentro de casa”, finaliza.

“FAVELADOS ? JAMAIS” – Na despedida, nos disseram para voltar lá sempre que puder para conversar, passar horas e aprofundar mais em conhecimentos de um pequeno povoado taxado pela população como “favelados”. Mas que tem muito a ensinar para todos sobre sobrevivência, união, fidelidade, amor e alegria.

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