segunda, 03 de novembro de 2025
Publicado em 29 jan 2024 - 16:45:30
O Negocião Digital ouviu com exclusividade especialistas e pessoas que passaram pelo sistema prisional. Tema é gerador de polêmicas, o Senado Federal tem atualmente um projeto de lei para regulamentar o benefício e diminuir sensivelmente o número de pessoas beneficiadas.
Alexandre Mansinho
A discussão em torno da saída temporária de encarcerados, conhecida popularmente como “saidinha”, ganha destaque no cenário nacional após a morte de um policial militar em Belo Horizonte, no último dia 5 de janeiro de 2024. A vítima foi baleada por um condenado pela Justiça que estava em liberdade temporária. O incidente reacendeu o debate sobre a eficácia e a segurança desse benefício. Atualmente há projetos de lei (PL) que propõe sua extinção.
O PL, proposto em 2022, encontra-se em discussão na Comissão de Segurança Pública do Senado, aguardando votação. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, lamentou a morte do policial e manifestou seu apoio à redução de benefícios a detentos, indicando que mudanças nas leis estão em pauta. O relator do PL no Senado, o senador Flávio Bolsonaro, defende a extinção da “saidinha” como medida necessária para reduzir a criminalidade, citando superlotação e precariedade no sistema carcerário como fatores prejudiciais à ressocialização. No entanto, especialistas ouvidos pelo Negocião Digital apontam que a extinção do benefício não está diretamente ligada à queda na criminalidade.
O Caso do Sargento Roger — Roger Dias da Cunha, de 29 anos, sargento da Polícia Militar de Minas Gerais, perdeu a vida durante uma perseguição a dois suspeitos no bairro Novo Aarão Reis. O sargento, que estava na Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) há 10 anos, foi baleado na cabeça durante a abordagem aos suspeitos, que estavam em um carro roubado. Mesmo após duas cirurgias e recebimento de nove bolsas de sangue, seu estado de saúde foi considerado irreversível.

Segundo informações da PM/MG, o autor dos disparos, de 25 anos, já deveria ter retornado ao sistema prisional em 23 de dezembro de 2023, mas estava em saída temporária e era considerado foragido. Ele foi preso por homicídio qualificado contra autoridade e porte de arma de fogo, enquanto o segundo, de 30 anos, foi detido por tráfico, posse de arma de fogo e tentativa de homicídio.
O que é a “saidinha” — a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE) mantém em seu site oficial os detalhes sobre o benefício da saída temporária, concedido a presos do regime semiaberto que têm cumprido parte de suas penas sem apresentar faltas disciplinares.

Segundo a PGE, o objetivo é possibilitar que esses detentos mantenham laços familiares e sociais, além de proporcionar oportunidades de estudo ou trabalho externo e, para ter direito à saída temporária, o preso deve estar cumprindo pena em regime semiaberto, sendo necessário ter cumprido um sexto da pena total se for primário, ou um quarto se for reincidente. A boa conduta carcerária é um requisito essencial, e o diretor do presídio encaminha ao juiz a lista dos presos que se enquadram nos critérios.
Ainda conforme a PGE, os beneficiários da saída temporária têm a possibilidade de visitar a família até cinco vezes ao ano, sendo cada saída limitada a sete dias corridos. Além disso, a legislação permite a saída temporária para frequência a cursos supletivos profissionalizantes, segundo grau ou faculdade, desde que o curso seja na comarca onde o sentenciado cumpre pena.
Cada estado tem a liberdade de normatizar a execução do benefício, em São Paulo as saídas temporárias são regulamentadas e concedidas em datas específicas ao longo do ano, como Natal/Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais e Finados. Qualquer falta disciplinar prejudica a concessão da saída temporária. Faltas leves ou médias exigem a reabilitação da conduta em 30 ou 60 dias, conforme o Regimento Interno do Presídio. Em caso de falta grave, o preso perde o direito à saída temporária, sendo regredido ao regime fechado, além de enfrentar punições administrativas.
O preso deve retornar dentro do horário determinado, pois o atraso injustificado resulta na perda do direito à saída temporária. Em casos de dificuldades, o preso deve comunicar imediatamente o diretor-geral do presídio, apresentando, ao retornar, documentos que comprovem o motivo do atraso, como atestados médicos em caso de doença. O preso em saída temporária deve manter o mesmo comportamento que tem dentro do presídio ou no trabalho externo. Não é permitido frequentar bares, boates, embriagar-se, portar armas ou envolver-se em atividades que configurem falta grave.
Projeto de Lei para restringir o benefício — Nos últimos dias, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem liderado a discussão sobre o possível fim da saída temporária de presos, popularmente conhecida como “saidinha”. O tema ganhou destaque após a morte do sargento Roger Dias da Cunha.

O projeto que propõe o fim da “saidinha” foi aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto de 2022, mas desde março de 2023, aguarda votação na Comissão de Segurança Pública do Senado. O debate sobre o assunto teve início em 2013, quando o Senado aprovou uma medida mais restritiva, limitando o benefício a presos primários, apenas uma vez por ano.
A proposta aprovada na Câmara inclui critérios mais rigorosos para a progressão de regime, exigindo boa conduta carcerária, comprovação pelo diretor da prisão e a realização de um “exame criminológico”. Além disso, foram acrescentadas situações em que a Justiça pode determinar a fiscalização por meio de tornozeleira eletrônica.
Diante da retomada da discussão, diferentes posições emergem no Senado. Uma ala sugere alterações no projeto para permitir o benefício apenas a detentos autorizados a trabalhar e estudar fora dos presídios, mantendo a suspensão das saídas em feriados e festas comemorativas. Outra proposta defende a aplicação do benefício apenas a presos do regime semiaberto.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator do projeto na Comissão de Segurança Pública do Senado, apresentou relatórios favoráveis, mas a votação ainda não ocorreu. Há busca por consenso, com alguns senadores defendendo pequenas alterações no texto. O presidente da comissão, Sérgio Petecão (PSD-AC), lidera um movimento para construir um acordo que minimize os impactos da proposta.
Opinião dos especialistas — o Negocião Digital conversou com dois especialistas em Direito Penal, Dr. Sidney da Silva Augusto, advogado criminalista e o professor Dr. Diogo Carvalho, coordenador do curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos. Ambos apresentaram opiniões favoráveis à popularmente conhecida “saidinha”.
Dr. Diogo afirma que o sistema correcional brasileiro está alicerçado no princípio da reeducação e da progressividade, ou seja, o indivíduo deve ser recuperado para a vida em sociedade e a pena deve ser, progressivamente, diminuída de regimes mais gravosos (regime fechado) para os menos gravosos (regime semiaberto e aberto): “a proposta do sistema penal brasileiro é que a gente consiga recuperar e ressocializar essas pessoas na sociedade (…) o infrator deve, à medida que ele demonstre sinais de estar pronto para voltar a vida em sociedade, ser posto em regimes de prisão menos rigorosos”.

“Os apenados que são beneficiados com a saída temporária são, ou deveriam ser, aqueles que já demonstram bom comportamento e que não têm faltas disciplinares (…) considero o benefício uma função importantíssima no processo de reinserção do apenado na sociedade (…) vejo essa instituição como positiva”, afirma Diogo.
Dados das secretarias estaduais de segurança relacionados a última saída temporária, relativas ao Natal e Ano Novo, mostram que presos que cometeram crimes durante a “saidinha” são a minoria e que presos que não retornam aos presídios representam menos de 5% do total dos beneficiados: “devemos perguntar se essa medida, o fim do benefício da saída temporária, é uma ação justificável, ou se esse debate nada mais é que uma forma de mascarar os problemas que estão escondidos dentro dos presídios”, completa o coordenador.
Dr. Sidney Augusto, por sua vez, diz: “eu entendo que a saída temporária é um mecanismo que colabora com a reinserção do indivíduo na sociedade, no meu ponto de vista ela tem caráter ressocializador porque oportuniza ao indivíduo que foi condenado pela prática de algum delito ter a manutenção do vínculo familiar porque, dependendo da condenação, os familiares que ficam “do lado de fora” tendem a seguir suas vidas e traçar outros caminhos”. Dr. Sidney continua: “existem duas vertentes que devem ser analisadas: há indivíduos que têm a mente voltada pra criminalidade, no entanto há aqueles que, diante de novas oportunidades, tomam decisões positivas; dessa forma, entendo que todos os presos deveriam fazer o exame criminológico como requisito para a obtenção do benefício”, afirma.
“Por ser um direito do reeducando, eu sou a favor, desde que a “saída” atinja seu objetivo que é a ressocialização e a oportunidade de inserção no mercado de trabalho e a manutenção do vínculo familiar e, claro, reflexão sobre o erro cometido”. Por fim, Dr. Sidney diz que é importante “criar no reeducando a percepção do mal que cometeu para que não volte a delinquir, com esse objetivo, a “saidinha” permite ao beneficiado acompanhar crescimento dos filhos e manter a manutenção da família, do casamento e dos bons vínculos de amizade entre outros fatores”, completa.
Opinião de ex detentos — Com a condição de preservação da identidade, duas pessoas que já cumpriram penas de prisão aceitaram conversar com o Negocião, ambas ficaram em instituições prisionais da região de Ourinhos (SP) e atualmente estão com as penas cumpridas e extintas.
Ronaldo* (nome fictício) esteve no sistema por 1 ano e 8 meses, para ele a “saidinha” é algo muito positivo: “por mais que a pessoa tenha cometido um erro, ela tem que ter a oportunidade de sair, poder ver a família (…) quem volta a cometer crimes durante a “saidinha” é uma minoria (…) não é certo cortar o benefício de todos por causa de uma minoria”. Segundo Ronaldo, os apenados “que não têm visita”, ou seja, aqueles que não recebem as visitas semanais, ficam ansiosos para a chegada das datas da saidinha: “tem gente que a família mora longe e que não pode vir visitar, por causa disso a saída temporária acaba sendo a única forma de ver os parentes”.
Maria Luíza* (nome fictício) cumpriu 1 ano e três meses de pena no regime fechado, ela disse ao Negocião que a “saidinha” ajuda a manter a paz no sistema prisional: “as cadeias iriam virar (rebelião) sem a saidinha, porque há menos treta dentro das celas porque aqueles que têm anotação (faltas disciplinares) não podem ir de “saidinha” (…) não é verdade que os presos esperam a “saidinha” para resolver as tretas do lado de fora, a maioria quer mesmo é só ver a família”. Maria Luíza ainda conta que, para as mulheres, a situação é ainda pior: “homem tem mais gente para visitar, a mulher fica mais abandonada, tem quem fica a pena toda sem receber visita”.
Tanto Ronaldo quanto Maria Luíza foram unânimes em afirmar que o benefício da saída temporária torna o ambiente nas cadeias mais pacífico e que são raros os casos de crimes cometidos “do lado de fora”.
Como é em outros países — no contexto internacional, diversos países europeus adotam sistemas de saídas temporárias para presos, cada um com suas peculiaridades e critérios específicos. Em Portugal, as saídas temporárias têm uma duração de cinco a sete dias e são concedidas a presos que cumpriram um sexto da pena (para penas até cinco anos) ou um quarto da pena (para penas superiores a cinco anos). Esses detentos devem estar em regime comum ou aberto. Na Itália, o benefício é destinado a condenados com comportamento regular e que não representem uma ameaça social. As saídas não podem exceder 15 dias a cada vez.
Já na Espanha, as saídas temporárias são permitidas em casos de morte ou doença grave de familiares diretos, nascimento de filhos e situações importantes e comprovadas, com medidas de segurança adequadas. O período de liberação é de até sete dias. Na França, embora a lei permita saídas temporárias, não são estipulados prazos ou critérios específicos. Se a autorização for negada pelo responsável do estabelecimento penitenciário, o pedido pode ser encaminhado ao juiz de execução da pena. Nos Estados Unidos, a questão das saídas temporárias varia de estado para estado, pois cada um estabelece suas próprias leis. Em geral, não é considerado um direito automático dos prisioneiros.
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